sexta-feira, 24 de julho de 2009

O Velho e a Omissão

Quando era criança havia Velho andarilho que de tempos em tempos passava pela minha casa onde recebia da minha mãe comida roupas usadas e essas coisas, em troca sempre se oferecia para carpir o quintal. Minha mãe sempre dizia que não era necessário. Cresci um pouco e às vezes via ele pelas ruas da vila, sempre amável ele cumprimentava, eu nunca entendia o que ele dizia, tinha a fala confusa e poucos dentes, mas ele transmitia essa amabilidade, uma forte amabilidade. Se apoiava com um cabo de vassoura em cada mão e carregava muitos sacos nas costas amarrados na frente, andava lentamente. A mãe de um amigo meu que morava na mesma rua deixava que ele entrasse em seu quintal, dava lugar para sentar e lhe servia um prato de comida. Não sei precisar quando, ouvi provavelmente numa conversa que não se endereçava a mim, que o Velho era um Expedicionário. Também não sei precisar quando descobri o que isso significava, mas sabia que era alguma coisa com uma grande guerra que teria acontecido muito tempo atrás, meu pai contava histórias de gente que voltava de guerras, “Resto de Guerra” nunca voltavam com a cabeça no lugar. Certa vez o vi numa das ruas da vila quando passava um avião desses pequenos, passou baixo e fez barulho, o Velho empunhou um cabo de vassoura como se fosse uma arma, apoiando com um braço e mirando com outro ele disparava contra o avião. Mais uma vez não sei precisar mas acho que ainda era criança quando sobe pela minha mãe de sua morte. Eu cresci e descobri o que foi a Segunda Guerra Mundial, e embora historicamente a participação brasileira possa não ter sido a mais determinante ele lutou e salvou o mundo dos nazistas-fascistas. Diretamente ele teve o sangue nas mãos, o mundo ficou melhor, mas e ele? Para salvar a coletividade o indivíduo se destruiu. Quantos mais teriam morrido se alguns não tivessem derramado sangue com suas próprias mãos para “salvar o mundo”? Quantos seriam exterminados em campos ou esterilizados a força? Aquele que se recusa a derramar sangue numa situação extrema dessas ficará com o sangue das vítimas que não receberam ajuda em suas mãos, pelo pecado da omissão? Se for assim, nós que vivemos nossas vidas de maneira justa e pacífica, teremos o sangue dos que morrem de fome enquanto vivemos nossas vidas só para nós mesmos e para os que nos são caros, justa e pacificamente, pelo pecado da omissão? Pois se me é obvio que matar é um pecado, o que é não fazer nada enquanto pessoas são mortas? Pecado da Omissão... Gostaria de reencontrar aquele Velho e dessa vez entender o que ele dizia.